É sexta-feira, as doze badaladas que marcam a meia-noite começam a tocar na Torre Heptagonal da Vila Transmontana de Freixo de Espada à Cinta. Estamos na Quaresma e por estas bandas após o Entrudo todas as sextas-feiras até à Sexta-Feira Santa realiza-se à meia-noite a procissão profana de Encomendação das Almas.
Hoje tenho 22 anos, e durante mais uma procissão dos 7 Passos, relembro, com tristeza, os tempos em que tinha 7 ou 8 anos e assistia a estas procissões, havia um respeito no ar, ninguém no seu perfeito juízo se atrevia a intrometer na dita Encomendação das Almas. A tristeza hoje assola-me porque tudo é motivo de risota para quem agora assiste à dita procissão, não há respeito, não se respeita quem tenta, a todo custo, manter viva uma tradição única no país.
Entre risadas que vêem do outro lado da praça, onde começar a procissão profana, relembro que quando tinha 7 ou 8 anos, todas as luzes da vila se apagavam, eu e a minha mãe usávamos uma lanterna para vermos o caminho para chegarmos à praça de modo a assistirmos a tal espectáculo chegadas, à praça era hora de nos escondermos atrás dos carros que para lá estavam estacionados, não era o medo que nos fazia esconder, ou talvez sim, porque aquele espectáculo para quem tem 7 ou 8 anos torna-se assustador, mas sim o respeito que metia ver e ouvir lares (rilhas de charruas enfiadas numa corrente) a serem arrastadas pelo chão por homens que vestem capas negras, onde nem o rosto se conhece, e que entoam cânticos em Latim. À frente vem a figura mítica da procissão a velhinha, que de cajado numa mão e de lanterna noutra marca o passo de toda uma encenação, homens ajoelham-se-lhe aos pés para que esta lhes dê de beber, bebem do vinho que porta numa Bota, tudo é feito em silêncio, apenas as lares que contra o chão são vigorosamente puxadas irrompem o silêncio alumiado pela lua cheia. Param as lares, começam os cânticos. Param os cânticos, começam as lares a ser puxadas, mais um arrepio, e assim vai sendo pela vila fora.
Passaram mais de 15 anos, e nada é como era. Hoje quase que me dá vontade de chamar a esta linda procissão “A procissão dos 7 risos”, não por culpa da procissão, mas de quem assiste à procissão. Todos riem, por motivo nenhum, porque lhes apetece apenas rir. É meia-noite, o silêncio e a escuridão deviam imperar, mas em vez disso, vemos luzes de carros, de telemóveis, ouvimos risos vindos do outro lado da praça, de repente surge um “shiuu”, alguém que tal como eu sente tristeza de ver que afinal os 7 Passos são agora os 7 Risos.